segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Então, Pessoa...

Se ponho quanto sou no mínimo que faço

E tudo que sou já não é suficiente

Quanto mais falta de mim?

O que mais falta de mim?

Se o meu bastante 

Para fora ainda é pouco

Irrisório, corrigível

Enquanto por dentro já me basta

Pesa e consome

Todo o muito que eu trago.

Se eu, que por mim,

Luto, tento, também cresço

Resoluta, permaneço

Sem ao menos saber de fato meu sentido de estar aqui.

Se eu, que tanto procuro

Nem em mim acho resposta

E torço para que venha de fora

O que mais falta de mim?

Se nunca estarão satisfeitos

Se é que um dia estiveram

Nem com a menina, nem com a mulher

Nem com a filha

Nem com a amante

Nem com a amiga

Nem com a sombra...

Nem com a sombra.

Se tudo que sou ainda não basta,

Talvez só me falte deixar de bastar

Sou tanto para eles,

E, para mim, nada

E bem sei, resposta alguma chega

Enquanto ainda falta tanto de mim.

Mas falta aqui dentro, pouco importa lá fora

Falta no peito, nas entranhas, no espelho

Pois tenho viva, bem viva na memória

Tudo e quanto eu era

E quero voltar a ser antes do fim.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

O mais belo em mim
Eu vi nascer a partir de uma ilusão
Chorei ao saber, sofri ao chorar
Ao enfim, constatar
Que aquilo que me fazia crer, rir, sonhar
Foi-se no vento para nunca mais voltar
Se transformou em dor, me fez sangrar
Mas de suas cinzas me fez rasgar
O papel do passado, para novamente me estruturar
E me deu estrutura para me inspirar
E escrever versos sobre amar
Que incrível isso, sofrer para desabrochar
Viver na tênue linha entre sorrir e chorar
Junto às boas lembranças, que me fazem não querer lembrar
Daquilo que foi belo, sublime, mas se foi
E tudo não passou de (des)ilusão
E nela eu mergulhei, nela eu vivi
Me forcei a acreditar, em vão
Que incrível isso, lembrar e sentir
Abrir e fechar a porta do coração
Para manter lá dentro, o mais belo de mim
Aquilo que nasceu a partir de uma ilusão.

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(2020)

domingo, 10 de maio de 2020

Quando eu morrer

Se eu morrer
Faça algo bom
Celebra-me com um canto bonito
Lembra-me sem amargura
Se eu morrer, mesmo que precocemente
Não procure culpa
Não procure pena
Procure lembrança e nostalgia
Se eu morrer
Chore, pois eu choraria
Mas não esqueça que eu também ria
Apesar da dor, que ninguém conseguiu ver
Se eu morrer, apague o meu pranto
Meu olhar triste e meu desabafo
E perdoe
Se um dia os depositei em você
Se eu morrer, dedique a mim
A tua prece mais profunda
A tua lágrima mais cristalina
Os teus momentos de felicidade
Se eu morrer
Dance alegremente
Cante desafinado
E perceba que também estarei ali
Se eu morrer
Faz-me sentir querida e me sinta
Olhe para o céu infinito
E despeça-se de mim
Se eu morrer
Transforma-me em cinzas
Mas as veja como bem coloridas
E com elas, colore o mar que é minha casa
Ou faz-me cápsula rica e fértil
E de mim, faz nascer flores
E que cada pétala seja uma memória
Do amor que deixei em cada um
Se eu morrer
Não sabemos onde estarei
Mas saiba que se te amei
Você estará lá juntinho a mim
Quando isso acontecer
Sei que vai doer
Pois nem eu, nem você
Gostamos de despedidas
Mas se eu morrer
Deixe-me ir, e faça um último favor:
Quando eu morrer
Transforma-me em vida.

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(2020)

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Lar

Acostumado estou
Acostumado eu vou
Por entre trechos, travessias
Com o sol logo acima
A saudade aqui dentro
E alguns passos que afastam
Mas nunca distanciam
O sentimento que fica
E que sempre me lembra
Que acostumado estarei
Mesmo de longe, eu hei
De nunca te esquecer
De contar os passos até você
Mesmo que as estradas me levem
Mesmo que a vida me negue
Meu coração não vem todo comigo
Tão teimoso, ficou de castigo
Esperando na tua porta
Pois um dia eu volto
Essas estradas vão me levar
Para buscar o meu coração
E pacientemente, esperar
Pelo dia em que você resolva abrir
E finalmente me deixar entrar
E nesse dia, meu bem
Para a estrada eu não vou voltar
Entrarei pela porta do teu coração
E nunca mais vou me afastar.

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(2020)

sábado, 11 de abril de 2020

Penso

Penso
Naquilo que não tive
Que jurei que tive
Que sempre quis ter
Penso
No quão difícil é deixar ir
Aceitar que foi
Que não mais vai ser
Na minha relutância em aceitar
Que preciso aceitar
Para me ver renascer
Sem querer me desamarrar
Para enfim caminhar
E começar a crescer
Mas penso que mudei
E mudo a todo tempo
O que haveria de fazer?
Talvez, se eu voltasse
O sentimento florescido
Começasse a esmaecer
Então penso enquanto ando
Ainda olhando para trás
Tentando me convencer
Que foi melhor assim
Que sofrer faz parte de seguir em frente
E talvez isso seja viver
Então tudo que vivi
Romantizando os detalhes
De um (des)amor um tanto quanto clichê
Talvez se repita
Na escola da vida
E eu vou ter que aprender
Seguirei fortalecida
Com as lições aprendidas
Mas um detalhe não consigo conter
Penso
Que não quero mais amar
Pois amar doeu
E me fez morrer.

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(2020)

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Insônia

Quando estou para dormir
Parece que o dia deixa de fazer sentido
Ou começa a fazer sentido a partir dali
Sinto que o pensamento
Começa aos poucos a me levar
Sem nenhum direcionamento
Para a direção daquilo que eu não quero lembrar
As imagens dançam numa fiel dessincronia
Pulam de um hemisfério ao outro e não me deixam em paz
Penso, lembro, faço projeções
Sorrio, choro, e assim não durmo mais
No escuro, olhos bem abertos, aguardando o desacordar
Que demora, enrola, mas sei que uma hora vai chegar
E num segundo despercebido, faz-se a transição
Os olhos fecham e silenciam as imagens em turbilhão
O escuro dissimulado, só começa a enganar
Pois logo tão cedo, as imagens começam a voltar
E nos sonhos ainda dançam, e não me poupam da ilusão
Ao acordar e novamente, encontrar no escuro a solidão
Ainda é noite, mas não importa, não vou mais adormecer
Pois durante o dia afora, só aguardo o anoitecer
E o ciclo se renova: noite agitada, dia displicente
Seja dormindo ou acordada... você não sai da minha mente.

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(2020)

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Umbigo do mundo

Em meio ao caos silencioso, gritava a consciência e revirava as entranhas. Chora alto, mas bem baixinho, para que não possam te escutar, para ninguém mais te ver.
Vai sumindo, de fininho. Porque já não mais está aqui. Porque o teu corpo é só o que resta, e ele é uma mera imposição aos que estão próximos a você.
Então sofre, mas bem longe, por favor. Ninguém aqui é obrigado a aturar o sofrimento alheio. Você até pensou, em um devaneio, que tinha o direito de ser feliz.
Acaba logo com isso, se tiver coragem. Ninguém merece escutar seu drama. Se é tão fraca, a culpa é sua. Vai conviver com sua própria covardia.
Em meio ao caos barulhento, tranca a porta, fica aí. Deixa que a água quente tente levar embora a dor. Tão majestosa, porém tão fraca - não se pode levar algo que está grudado na alma.
Se conserte, se recomponha! Enxuga o rosto e vai brincar de fingir viver. Mas não se atreva a acreditar, que a queda é grande. Depois reclama quando todos voltam a se esquecer.
A porta abre, entra em cena o mundo. Agora vem a obrigação de parecer estar bem. O caos continua, porém, aqui dentro. Sinta-o, abrace-o, beije-o, para nunca se deixar esquecer: você não é o umbigo do mundo; ninguém tem a obrigação, nem nunca terá, de se importar com você.

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(2016)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Dia

Quantos rostos estranhos é necessário ver para conseguir me encontrar? Devo procurar por algo familiar num sorriso desesperançoso de quem me vê passar na rua? Devo segurar minha bolsa e caminhar procurando por algo diferente, sabendo que posso falhar? Ou buscar conforto em mãos e ombros, até mesmos em alguns rostos, que pouco e tanto dizem, mas nunca serão suficientes?
Aquiete-se, acomode-se, torna-se, então, estagnada. Viva cada dia, mas todos como se fossem um só. E enquanto espero - espero pelo quê? - me encanto, pela incrível monotonia. Enquanto espero, me canso de sentir prazer na normalidade. Não há nada familiar - tantas feições repetitivas! - e nem há de ter.
Mova-se, erga-se, torna-se, então, ativa! Tome as rédeas da sua vida, faça acontecer. Ah, mas falar é fácil; verbalizar, até eu faço. Difícil é a tarefa de mudar um quadro que só depende de mim para acontecer. Quantas mãos apertarei, quantas bocas beijarei, quantos rostos estranhos verei até, quem sabe, me encontrar? Talvez hoje, talvez nunca. Talvez tantos, outros tantos. Aquieto-me e sorrio de volta. Espero por mais uma sexta-feira. E finjo saber o que estou fazendo.

Uma oração

Pai, hoje eu quero ser mais gente.
Quero poder olhar pra frente e saber que pertenço ao Teu futuro. Sem ter medo de me desviar se, por ventura, o Senhor decidir que eu devo ir mais devagar. Quero sentir uma esperança nova: que ela nasça em meu peito, Senhor. Que meu coração se encha de paz, pois há muito tempo ele não a encontra. Quero olhar para as crianças e me inspirar na pureza delas. Quero achar minhas respostas nas coisas mais simples, e parar de querer sempre resposta para tudo.
Então eu Te peço, em oração, que eu me aventure mais nas buscas; que eu lide melhor com as derrotas; que eu nunca me esqueça de que sou maior... sou maior que meus medos, demônios e limitações.
Senhor, hoje eu quero ser mais gente. Mas não quero ser só gente, eu quero ser gente feliz. Não me tire do sufoco; me ensine a não sofrer com ele. Quero sorrir, quero chorar, quero ser mais eu. E, sendo eu, quero refletir o Senhor em mim.
Amém.

Odeio

Por ser tão problemático,
por ser tão enigmático,
por ser complicado assim, eu odeio.
Odeio
por ser tão indeciso,
por ser tão importuno,
por me fazer sofrer, como odeio.
Odeio porque chora,
e logo em seguida disfarça.
Odeio por quando se sente feliz,
mas a felicidade logo passa.
Odeio pelas falsas esperanças:
por que não acreditas nelas?
E mais ainda quando algo alcança,
mas diminui a conquista, tira o mérito dela.
Odeio porque deve ser feliz,
odeio porque deve ser triste,
odeio porque tudo tem que dever,
e sempre na hora errada.
Só odeio, na verdade, por um motivo:
odeio porque odeia tudo,
mas na verdade não odeia nada.
Poque quer odiar, porque no fundo sente vontade.
Porque lá dentro, tens uma verdade
Que em todos os "odeio's",
acima de tudo,
Amo.